Disfunções Sexuais Femininas – Desejo Sexual Hipoativo Feminino – DSH
A Disfunção sexual tem relação com uma ou mais fases que compõem o ciclo de resposta sexual humana. Pode ser persistente ou recorrente e se manifesta através de dor no ato sexual, causando sofrimento acentuado e dificuldade interpessoal ao indivíduo.
Na CID-10, (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10ª edição), a disfunção sexual, de forma geral, é definida e classificada como: ausência ou perda de desejo sexual (frigidez e transtorno hipoativo de desejo sexual), aversão sexual e ausência de prazer sexual, falha na resposta genital (transtorno de ereção no homem e excitação sexual na mulher), disfunção orgásmica (anorgasmia psicogênica e inibição do orgasmo no homem e mulher), ejaculação precoce, vaginismo não orgânico (também chamado de vaginismo psicogênico), dispareunia não-orgânica (também chamada de dispareunia psicogênica), apetite sexual excessivo (ninfomania e satiríase), outras disfunções sexuais não devidas a transtorno ou a doença orgânica e disfunção sexual não devida a transtorno ou a doença orgânica, não especificada.
Segundo a Associação Psiquiátrica Americana (APA – American Psychiatric Association), através da versão atual do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-5, caracteriza disfunção sexual feminina como a falta ou uma significante redução do interesse pela atividade sexual e da excitação, manifestada por pelo menos três dos seguintes itens: ausência ou redução de desejo sexual, fantasias e pensamentos eróticos, falta de iniciativa e resposta ao convite de um parceiro para iniciar o ato sexual, ausência ou redução do prazer em quase todos os encontros sexuais (75% à 100%), ausência de resposta excitatória a qualquer estímulo externo verbal ou visual e ausência ou redução de sensação genital ou não genital em quase todos os encontros sexuais (75% à 100%). Os sintomas deverão persistir por pelo menos 6 meses e devem causar sofrimento clínico ao indivíduo. A disfunção sexual não é melhor explicada por um transtorno mental, por consequência de angústia ou estresse devido a um relacionamento ou atribuída aos efeitos medicamentosos. São consideradas como sendo um grupo heterogêneo de distúrbios que se caracterizam por uma perturbação significativa na capacidade de uma pessoa responder sexualmente ou experimentar prazer sexual.
Embora cause sofrimento, a disfunção sexual nem sempre é percebida ou mencionada de forma direta devido a sua complexidade. É descrita muitas vezes como quadro depressivo, ansiedade, baixa autoestima, insatisfação ou dificuldade para se envolver e se manter em relacionamentos íntimos. De igual modo, para os profissionais de saúde, a avaliação e o tratamento da disfunção sexual, também pode causar insegurança e desconforto.
Um problema sexual ou uma disfunção sexual pode se desenvolver gradualmente ou subitamente como uma incapacidade total ou parcial do indivíduo para participar em uma ou mais etapas do ato sexual. O problema sexual pode causar no indivíduo intenso sentimento de inadequação, culpa, frustração e angustia. Em se tratando de vida conjugal, o problema sexual não é apenas do indivíduo e sim do casal, o que pode ocasionar o divórcio. Por outro lado, o sexo saudável proporciona ao casal um prazer compartilhado, reforçando o relacionamento e reduzindo as tensões da vida e do casamento.
No caso das disfunções sexuais femininas, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4ª edição, texto revisado (DSM-IV-TR), também se refere aos distúrbios sexuais femininos de forma não independentes, e na prática clínica, a classificação é muitas vezes baseada na maneira pela qual as queixas são apresentadas pelas mulheres. Estudos encontram comorbidades entre desejo e excitação. Em parte, isso pode ocorrer porque as mulheres têm dificuldade em diferenciar desejo de excitação subjetiva, a qual refere-se a uma vida sexual satisfatória sem necessariamente ter um desejo absoluto pela atividade sexual. Além disso, algumas mulheres reportam que o desejo precede a excitação, porém outras relatam que o desejo sexual surge após a excitação. Por isso, há críticas ao DSM-IV-TR de classificação de disfunções sexuais femininas.
Tanto homens como mulheres que se percebem como indivíduos sem interesse sexual, se sentem inadequados, insatisfeitos e deficientes. Infelizmente a pressão para adaptar-se às normas vigentes, os leva cada vez a acreditarem que há algo de errado com eles e não com as expectativas que criaram, com o parceiro ou com a sociedade.
O estudo realizado pelo Prosex – Projeto de Sexualidade da Universidade de São Paulo (Figura), mostra dados que confirmam a importância do sentimento e do afeto pelo parceiro na satisfação sexual das mulheres.
O que contribui para o Desempenho Sexual* | ||
Opinião de | Mulheres – % | Dos Homens – % |
Sentimento e Afeto | 77,2 | 62,3 |
Grau de Intimidade | 70,6 | 63,9 |
Clima, Ambiente Apropriado | 70,5 | 63,6 |
Atração Física | 68,2 | 73,5 |
Tempo Suficiente, tranqüilidade | 66,5 | 69,5 |
*Dados do estudo do Projeto de Sexualidade (Prosex) da USP | ||
Grau de Importância da Sexualidade para a Harmonia do Casal | ||
Opinião de | Mulheres – % | Dos Homens – % |
Nada importante | 0,9 | 0,9 |
Pouco Importante | 2,9 | 3,1 |
Geralmente Importante | 41,0 | 47,2 |
Importantíssimo | 56,1 | 48,8 |
*Dados do estudo do Projeto de Sexualidade (Prosex) da USP |
Fonte: Abdo C,2004
Figura – Estudo realizado pelo Prosex que mostra o que pode contribuir para o desempenho sexual e a importância da sexualidade para a harmonia do casal.
O desejo sexual hipoativo (DSH) é uma das disfunções sexuais mais comuns em mulheres, porém uma pesquisa realizada em 2003 em várias regiões do Brasil, colheu informações de mais de 7.000 homens e mulheres entre 18 e 70 anos, de todas as classes sociais sobre a vida conjugal e sexual dos brasileiros, entre as queixas mais frequentes, a falta de orgasmo lidera e continua a afligir as mulheres. A explicação mais plausível para esse fato ainda é a mesma, ou seja, por medo, culpa ou porque o parceiro é rápido demais. Outro problema predominantemente feminino é a falta de desejo – 35% das mulheres não sentem nenhuma vontade de ter relações.
A disfunção sexual feminina (FSD), envolve as seguintes condições experienciadas pelas mulheres: o baixo nível de desejo ou motivação para se envolver em atividade sexual, a redução da lubrificação vaginal ou excitação, a diminuição da capacidade de atingir o orgasmo, e dor sexual na relação. Para se chegar a um diagnóstico preciso, o problema sexual feminino tem que causar sofrimento pessoal ou dificuldades nas relações interpessoais.
A FSD pode afetar negativamente a qualidade de vida das mulheres. Calcula-se que em torno de 30% à 50% de mulheres nos Estados Unidos sofrem de alguma disfunção. Com o passar do tempo, as mulheres exigem ainda mais estimulação para alcançar a excitação e satisfação, e o envelhecimento parece colocar as mulheres em maior risco para FSD, principalmente durante a menopausa.
A Idade e a condição do relacionamento são preditores significativos de satisfação sexual. Portanto, para as mulheres, a satisfação no relacionamento pode não ser inteiramente determinada pela função sexual. Além disso, muitas mulheres podem tolerar um certo grau de disfunção sexual antes de considerá-la uma fonte de insatisfação no relacionamento.
Esses distúrbios da função sexual feminina vêm sendo estudados de forma separada e em recentes estudos epidemiológicos, o desejo sexual hipoativo (DSH) é a mais prevalente das preocupações, e constitui uma das maiores queixas das mulheres em relação ao seu funcionamento sexual. (11)
Desejo Sexual Hipoativo (DSH)
De acordo com a OMS, através da CID-10, o desejo sexual hipoativo – DSH é descrito da seguinte maneira:
F52.0 – Falta ou perda do desejo sexual. É o problema principal e não secundário a outras dificuldades sexuais como falta de ereção e dispareunia. Falta de desejo sexual não impossibilita prazer ou excitação sexual, mas torna a iniciação da atividade sexual menos provável.
Ainda referente ao CID-10, as mulheres tendem a se apresentar mais comumente com queixas sobre a qualidade subjetiva da experiência sexual, como por exemplo a falta de prazer e interesse em vez de falha de uma resposta específica.
Em 27 de maio de 2013, o DSM-5, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª edição, foi lançado revisando muitas das classificações anteriores do DSM-IV-TR, das quais, os distúrbios sexuais femininos têm sido um dos mais contestados. Neste caso, por exemplo, mais especificamente, o DSM-5 combinou os termos: Transtorno do desejo sexual hipoativo (Hypoactive Sexual Desire Disorder-HSDD) e Transtorno da excitação sexual feminina (Female Sexual Arousal Disorder-FSAD) em um único transtorno agora classificado como Transtorno do interesse e excitação sexual feminina (Female Sexual Interest / Arousal Disorder-FSIAD). Existem várias preocupações quanto a esta nova classificação e uma delas é que agora o termo desejo foi substituído por interesse.
Seguem abaixo, de acordo com esta recente revisão, os critérios diagnósticos para Transtorno do interesse e excitação sexual feminina 302.72 (F52.22):
A. Falta de, ou significante redução do interesse sexual / excitação, manifestada por pelo menos três dos seguintes itens:
1. Ausência ou redução do interesse na atividade sexual.
2 .Redução ou ausência de pensamentos e fantasias sexuais ou eróticas.
3. Nenhuma ou redução na iniciativa para a atividade sexual e, normalmente, não receptivo às tentativas de um parceiro.
4. Ausência ou redução na excitação sexual e prazer durante a atividade sexual em quase todos ou todos (cerca de 75%-100%) os encontros sexuais (em contextos situacionais identificados ou, se generalizada , em todos os contextos).
5. Ausência ou redução do interesse sexual e excitação em resposta a qualquer estímulo sexual, interno ou externo sexual, ou sinais eróticos (por exemplo, por escrito, verbal , visual ).
6. Ausência ou redução genital ou sensações não genitais durante a atividade sexual em quase todos ou todos (cerca de 75%-100%) os encontros sexuais (em contextos situacionais identificados ou, se generalizada , em todos os contextos).
B. Os sintomas no Critério A persistirem por um período mínimo de aproximadamente 6 meses.
C. Os sintomas no Critério A causam sofrimento clinicamente significativo no indivíduo.
D. A disfunção sexual não é melhor explicada por um transtorno mental não sexual ou como uma consequência de grave angústia no relacionamento (por exemplo, a violência pelo parceiro ) ou outro estressor significativo e não é atribuível aos efeitos de uma substância / medicamento ou outra condição médica.
Segundo o que preconiza o DSM-5, para que seja estabelecido o diagnóstico de DSH na mulher, é necessário que haja ausência ou deficiência de fantasias, porém para Basso, segundo Abdo 2012, apesar da mulher não apresentar fantasias ou desejo espontâneo, ela pode experimentar satisfação sexual após iniciada a atividade sexual.
Segundo Leiblum, “a falta de desejo é resultante da repressão ou inibição ativa do impulso espontâneo por contato sexual como produto de conflito interno ou ambivalente.”
Para que as mulheres, mesmo as sexualmente saudáveis em relacionamentos estáveis, sintam interesse em participar de uma relação sexual, nem sempre será necessário que sintam desejo a princípio, mas fantasiar possui um papel importantíssimo para a atividade sexual feminina.
Outro aspecto que deve ser considerado essencial para a função sexual feminina, bem como para o surgimento de disfunções, é o contexto sexual, que inclui a qualidade do estímulo e a condição do relacionamento do casal. A atividade sexual sofre influências dos modelos relacionais do indivíduo, da família de origem, das relações sexuais anteriores e das crenças religiosas, culturais e sociais acerca do sexo.
Segundo Abdo e Fleury 2012, o contexto é mais importante do que o próprio estímulo, o que faz com que o relacionamento seja determinante para o desejo sexual. Consideram ainda que fatores como segurança, privacidade, bem estar físico e mental, nascimento de filhos, menopausa, aposentaria e outros, podem afetar a intimidade do casal e, consequentemente, o ciclo de resposta sexual.
Algumas das mais frequentes razões psicológicas por que as mulheres optam por se envolver em atividade sexual incluem o desejo de estar perto de um parceiro, se sentir feminina ou desejada, para satisfazer um parceiro, ou para manter um relacionamento.
O DSH, prioritariamente, pode ser causado por aspectos psicossociais, mas também em menor escala por fatores orgânicos, sendo mais frequente em homens e pessoas idosas.
No caso específico do DSH, outro aspecto importante a ser observado é que, nas mulheres, os estudos concernentes a etiologia, manutenção e tratamento precisam ser aprofundados. Isto provavelmente está relacionado a fatores socioculturais, associados a papéis tradicionais de gênero, onde as mulheres ainda hoje têm menos “permissão” para desfrutar de sua sexualidade, enquanto que recai sobre os homens uma demanda de rendimento. À medida que se adquire mais conhecimento e consciência de mitos sociais e ideias irracionais que sustentam essas posturas, mais passos são dados em direção a uma melhor compreensão da sexualidade feminina.
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