10/09/2021 ás 14:51 por Cristiane Sathler

Sexualidade Humana

A sexualidade deve ser considerada um dos pontos essenciais para a saúde do ser humano. De acordo com Leiblum, “uma vida sexual ativa e satisfatória é considerada não apenas desejável, mas um sinal de saúde emocional e física”.   

Para a Organização Mundial de Saúde – OMS, a sexualidade é uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não deve ser separado dos outros aspectos da vida. A saúde sexual é a integração dos aspectos sociais, somáticos, intelectuais e emocionais, os quais influenciam positivamente a personalidade, a capacidade de comunicação com outras pessoas e o amor. 

O ser humano é um ser biopsicossocial, formado e composto pela genética, por seu aparelho psíquico e diretamente influenciado pelo meio onde vive. Ao longo dos séculos, a função sexual oscila entre a procriação e o prazer. A despeito das diferenças entre o comportamento masculino e o feminino, as atitudes sexuais são fortemente influenciadas pelas normas sociais, religião, fatores econômicos, enfim, pela cultura que definitivamente molda o comportamento e as práticas sexuais do indivíduo. 

Apesar dos estudos sérios sobre a sexualidade serem tão recentes, de apenas algumas décadas, a sexualidade sempre existiu nas sociedades do mundo. A história da sexualidade sempre esteve relacionada a outros temas da história convencional como a política e a religião. Foi e é influenciada pelos governos, os quais buscam controlar ou regulamentar o comportamento sexual, sem muito sucesso. Da mesma maneira, as práticas e os valores sexuais são extremamente influenciados pela cultura de cada sociedade, a qual é uma das maiores forças da história mundial.    

De acordo com Stearns   

A sexualidade, o que não chega a surpreender dada a sua importância, sempre foi uma parte essencial do panorama da história mundial; observá-la com atenção ajuda a traduzir os padrões da história mundial para uma compreensão da vida cotidiana e do comportamento humano comum.

A sexualidade é considerada pelos antropólogos como uma questão de comportamento animal, sendo os humanos claramente diferenciados de outros mamíferos por terem outros aspectos envolvidas, como exemplo, o número incomum de zonas erógenas pelo corpo que pode aumentar a estimulação sexual. No caso das fêmeas, apesar de terem períodos férteis durante apenas alguns dias do mês, podem ser mais freqüentemente estimuladas sexualmente mesmo fora deste período ou até mesmo quando sua fertilidade cessa com a menopausa. Outra distinção com relação a outros mamíferos é que os humanos desenvolvem a capacidade e o interesse em atividade sexual antes mesmo que a maior parte das jovens mulheres comece a ovular.  Esses aspectos implicam que a atividade sexual humana pode ser bastante freqüente e com menos compromisso com a necessidade de reprodução, como em outras espécies. (1) O princípio do prazer, e não outros reguladores biológicos, é o que determina a sexualidade humana.

  Os sociobiólogos acrescentam outros elementos básicos à sexualidade humana, como as diferenças de gênero, também vistas em outros animais. A fertilidade e a constante produção de esperma dos machos os tornam mais propensos a terem mais relações sexuais com maior número de parceiras para espalhar sua herança genética. No caso das mulheres, por outro lado, com um estoque limitado de óvulos e o fardo de terem que carregar seus filhos, limitam seus parceiros e se empenham em assegurar a estabilidade de sua prole. Esta distinção inata também terá implicações sociais: homens mais ávidos e mulheres mais reticentes. É necessário citar que a biologia insere importantes complexidades na sexualidade humana e assegura que a história das atitudes e comportamentos sexuais seja complexa.  

Contudo, a atividade sexual humana ultrapassa suas origens biológicas, sendo ampla, difusa, desprovida de freios e caminha principalmente na direção do prazer e da satisfação, sem as inibições neuro-hormonais observadas em outras espécies. A sexualidade humana é disciplinada apenas, e não completamente, pelas interdições socioculturais     

Durante muitos séculos até recentemente, a sexualidade era considerada a expressão de “baixos instintos” relacionados apenas ao ato sexual. No entanto, a sexualidade possui um significado muito mais amplo, dessa forma, deve-se ampliar também o conhecimento do corpo para manter o exercício da sexualidade sem culpas ou preconceitos. O exercício da sexualidade inclui vários fatores como a construção da sensibilidade entre duas pessoas como o toque, a dança, a fantasia, o olhar etc. Durante muito tempo a sexualidade feminina esteve predominantemente voltada para a procriação e só recentemente foi considerada como parte integrante dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher     

A sexualidade humana muda de uma cultura para outra e vem mudando bastante nas últimas décadas. Especialmente no século XX, grandes mudanças ocorreram na área da sexualidade. Os pioneiros na pesquisa dos aspectos anatômicos e fisiológicos da sexualidade humana no ambiente de laboratório, foram os pesquisadores William Howell Masters (1915-2001) e Virginia Eshelman Johnson. O casal Masters e Johnson, ao publicarem os relatórios sobre suas descobertas, despertaram muito interesse e também receberam críticas. Desde então, tornaram-se conhecidos como terapeutas e pesquisadores na área da sexualidade humana, estabelecendo o Centro Biológico de Reprodução e, depois, o Instituto de Masters e Johnson em St. Louis, Missouri. 

Na década de 1960 ocorreu uma das mudanças mais significativas para as mulheres: o surgimento da pílula anticoncepcional, a qual separou o sexo reprodutivo do sexo recreativo, permitindo a mulher ter um maior controle sobre sua vida sexual, diminuindo o risco de gravidez.

O termo medicina sexual foi criado por volta de 1970, provavelmente na Europa, e, posteriormente, resultou em uma nova especialidade acadêmica e clínica em todo o mundo. Hoje em dia, existe esta disciplina médica e a definição do conceito de medicina sexual, porém, historicamente, a unificação da sexualidade e da medicina não era uma condição definida. A medicina era focada principalmente na reprodução humana e como prevenir e tratar as doenças sexualmente transmissíveis. Durante séculos, dificilmente qualquer outro aspecto da sexualidade obtinha o interesse dos médicos. 

Hoje o interesse é maior, mas o medo, bem como tabus e dificuldades em abordar o tema sexo estão restritos aos pacientes sim, mas também aos profissionais da área de saúde em todo o mundo (médicos, psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas e outros). Nas escolas médicas, até hoje, com raras exceções, não existe no currículo cursos sobre sexualidade, logo, os médicos não se sentem preparados para atender e tratar os pacientes de forma adequada. Porém, mulheres estão á procura de tratamento e a espera de um lugar preparado para poder falar livremente sobre suas disfunções sexuais sem medo de preconceito.

Sexualidade Feminina

A disfunção sexual feminina é uma área que ainda carece de estudos, pois são necessários estudos experimentais, epidemiológicos e anatômicos que reconheçam o funcionamento sexual feminino analisando os fatores preditores e suas conseqüências negativas. São pertinentes os estudos que analisem os mecanismos biológicos em todas as fases do ciclo de resposta sexual (o qual será descrito mais adiante); o efeito do envelhecimento, dos medicamentos, entre eles os anticonceptivos hormonais e as relações entre as disfunções sexuais e o bem estar físico ou emocional que norteiam a qualidade de vida da mulher no âmbito da sexualidade.        

Para definir qualidade de vida de uma pessoa a Organização Mundial de Saúde (OMS) utiliza quatro parâmetros: atividade sexual segura e prazerosa, capacidade de trabalhar, não depender de ninguém para executar as tarefas do dia a dia e manter um convívio familiar e social satisfatório. Para a mulher isso significa: sentir-se admirada, desejada e correspondida.  

Admite-se que haja disfunção sexual quando há menor ou maior frequência, intensidade e qualidade do funcionamento sexual. Conhecer bem a normalidade do funcionamento sexual facilita a identificação das disfunções sexuais de forma mais exata. O Desejo sexual hipoativo é uma das disfunções sexuais femininas mais prevalentes e referidas pelas mulheres. O Estudo da Vida Sexual do Brasileiro revelou que cerca de uma a cada 10 mulheres nunca tem desejo, média que varia com a idade. Dentre as causas mais comuns estão o envelhecimento, o tempo do relacionamento, aspectos psíquicos e culturais, a saúde física da mulher e do parceiro e outras. 

Há uma concordância na literatura científica, que o estudo e conhecimento sobre as causas e possíveis tratamentos das disfunções sexuais femininas, especialmente do desejo sexual feminino, é extremamente importante, assim como ter um olhar subjetivo, e não só objetivo, sobre a saúde e qualidade de vida da mulher. É essencial que este cuidado seja realizado por uma equipe de saúde multidisciplinar, tendo o médico, o psicólogo e o fisioterapeuta neste processo. 

O estudo da sexualidade feminina ainda tem sido visto, explorado e compreendido de forma muito objetiva e pouco subjetiva através de um olhar muitas vezes influenciado por uma cultura patriarcal. Por ser um conceito socialmente construído, a sexualidade feminina continua a ser tratada de forma medicalizada e pouco explicada e interpretada pelas próprias mulheres. Mesmo que as mulheres estejam experimentando mais oportunidades culturais, a capacidade para criar significados e definir a sexualidade feminina saudável pode se tornar uma experiência tendenciosa e o feminino pode ser deixado de lado, ou ser mal entendido ou silenciado. Isto é comprovado quando a maioria das pesquisas atuais sobre sexualidade feminina não abordam como as mulheres definem e avaliam a sua própria sexualidade. 

O conhecimento sobre o comportamento sexual feminino ainda é insuficiente. Isso ocorre porque fatores como a anatomia genital da mulher, os ciclos da vida da mulher (menarca, gravidez, climatério, menopausa, senilidade), o pré-conceito que ainda existe sobre este tema, influenciam e são influenciadas de forma diferente pela função sexual feminina.  

O prazer sexual é tratado pela indústria do orgasmo como instrumento para se obter saúde, equilíbrio emocional e felicidade, porém, para a ciência, segundo Abdo, somente pessoas saudáveis e emocionalmente equilibradas conseguem realmente alcançar a plenitude da satisfação sexual, a qual é um componente importante do modelo contemporâneo de resposta sexual das mulheres. 

Satisfação sexual é um conceito subjetivo, por isso, muda a cada caso. Porém, é o que muitas mulheres buscam e esperam alcançar com a ajuda da área da saúde. Uma pesquisa realizada na Europa com 102 mulheres com queixa de baixa de desejo sexual, sendo 75 mulheres na faixa etária em torno de 20 a 45 anos, e 27 mulheres com mais de 45 anos, preencheram um questionário de auto desenvolvimento, sobre a satisfação feminina com a vida sexual de modo geral. Este questionário continha 165 itens que tratava de satisfação sexual, orgasmo durante as relações sexuais, carícias, masturbação, atitudes em relação à sexualidade, qualidade da parceria e mitos sexuais. 

Sobre a satisfação sexual da mulher, os determinantes mais importantes foram: primeiro a qualidade pessoal e interpessoal das relações sexuais como um todo. Em segundo lugar, apesar da diferença de idade das mulheres do grupo não causar alteração tanto na experiência subjetiva, quanto na frequência das relações sexuais, nas mulheres mais velhas, a satisfação sexual está muito mais ligada ao parceiro do que na experiência genital. No geral e independentemente de idade, o mais importante determinante de satisfação sexual foi a qualidade da parceria, incluindo a consciência de que o contato físico não é necessariamente um antecedente da atividade sexual genital, mas pode ser apreciado para seu próprio prazer.     

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